terça-feira, 26 de março de 2013

o coração bombista

Partiu deste mundo com uma explosão no peito, num desenho de vida expandida em múltiplas trajectórias disparadas a direito. Do coração, restou um pequeno saco rebentado no chão e um charco de sangue vertical, a desenhar linhas em queda livre pela parede como pincel de tinta vermelha a criar uma pintura oriental.
Morreu de emoção. Alegre, com satisfação, feliz como ninguém. Só assim foi capaz de expressar o tamanho que um afecto impossível tem. Morrer, de verdade, não morreu; foi apenas o que sentiu quando, sem contar, um dia descobriu um amor que sempre quis seu.
Explodiu-lhe o peito, como se fosse esse o propósito para o qual o coração foi feito.

segunda-feira, 18 de março de 2013

um momento

Hoje, morro. Porque sim. Porque acontece a todos e não apenas a mim. Porque ninguém quer saber. Porque todos estão ocupados com o seu próprio viver. Porque todos morrem. Todos. Os que param, os que andam e os que correm. Todos morrem.
Amanhã, não sei. Estarei morto, um barco encalhado no porto. Não viverei. Estarei esquecido, perdido, ressequido. Não estarei.
Ontem, vivi. Não de verdade. Não na realidade. Não aqui. Vivi na tenra idade, na distância da infância, na saudade de tudo o que esqueci.
É o tempo, essa condição que não aguento. É o tempo. O tempo de fazer coisas. O tempo de não as fazer. O tempo das coisas que são más. O tempo das coisas que são boas. É o tempo. O tempo passa num instante em que nada importa e tudo é importante. E um instante nunca é bastante, porque um instante não é muito tempo. Um instante é só um momento.

quinta-feira, 14 de março de 2013

a proximidade das estrelas

Que melhor maneira de alcançar as estrelas do que acreditar que estão realmente perto? O resto são mentiras de telescópios orgulhosos da sua visão mais longínqua mas invejosos da nossa imaginação mais profunda. Em questões de estrelas, não importa se o que acreditamos não é verdade, importa apenas que a crença sonhadora nos sirva melhor do que os factos da realidade. Como são bonitas as estrelas aqui tão perto! São chão que podemos sentir com a mão e céu iluminado de deserto. O resto, não quero saber. As estrelas estão próximas se me apetecer.

sexta-feira, 8 de março de 2013

perspectivas

Há sempre duas histórias para contar acerca de uma pessoa; a verdade e a mentira. O meio-termo é uma ilusão de ingénuos. A meia-verdade não é, como o próprio nome engana com malícia, a metade de uma verdade mas sim a totalidade de uma mentira. Omitir, deliberadamente, informação que influencia a interpretação de uma afirmação é sempre a intenção de enganar quem interpreta. Omitir não é mentir? Que acredite nesse engano quem o quiser. É possível não revelar a verdade sem afirmar directamente a mentira? É. Quem o faz, fá-lo conscientemente e conhece como funciona a percepção imperfeita da mente. Há quem domine todo esse exercício de equilíbrio delicado com ironia, sarcasmo e cinismo, com a mesma habilidade de um acrobata exímio em questões de equilibrismo. Nesse constante desafio da queda não há rede entre o acrobata e o fundo do mundo. Na queda, a verdade mata e a mentira morre, a crueldade da realidade é um acidente do qual ninguém nos socorre. Todas as pessoas mentem? Claro que não…

terça-feira, 5 de março de 2013

e depois?

Se queres que te aceitem como és, aceita que nem todas as pessoas te aceitarão por causa daquilo que elas são. É uma tragédia? Não. As pessoas têm direito a essa opção. Têm direito a errar na escolha sem te conhecerem. Têm liberdade para escolherem pessoas piores do que tu apesar de, a essas, as conhecerem. É a irracionalidade dos afectos. Não é possível analisar as falhas da razão em todos os aspectos. Certas falhas da razão são culpa do coração. São os dentes do animal de estimação que, num dia de desentendimento, sem remorso nem lamento, nos mordem a mão. E a culpa é dos dentes do peixe, do réptil, do gato ou do cão? Não. A culpa é nossa, por lhes estendermos a mão. E depois? Depois, é a vida. Continua-se com a aprendizagem dos erros, de cabeça levantada e decidida, mesmo que todos os dias nasçam de um parto a ferros.

sexta-feira, 1 de março de 2013

a mentira da verdade

Será assim tão inconcebível aceitar a verdade? Mentir é um hábito tão enraizado nos costumes humanos que já quase não se aceita que alguém possa simplesmente dizer a verdade. O trágico desta realidade é que, de tão grande habituação à mentira, a mentira é a única realidade possível. A verdade aceita-se com a maior das relutâncias e a mentira aceita-se com a maior das ignorâncias.