quinta-feira, 27 de março de 2014

rói-me o coração

 imagem: Manuel Alves

Rói. Afunda os dentes no peito e come-me a carne a eito. Dói mas não há outro jeito.
Sei que há mas não quero saber. Continua e faz de conta que não é ferida para doer. Diz-me que é por mim que fazes o sacrifício de magoar o coração. Diz-me que esta dor terá fim, que esquecerei o início e que tudo o resto morrerá na recordação.
Faz-me esse buraco nos sentidos e arranca de mim todos os nossos dias perdidos. Se fui mais do que um corpo, diz-me que o coração é só tecido que, depois de rasgado, volta a ser cosido. Uma pequena mentira piedosa para a alma desgostosa.
O buraco fecha sozinho. Não te preocupes com a vida que sai. O tempo cicatriza a perda do carinho e a ferida é folha seca que cai.
Depois desapareces da memória e o meu coração inventa outra história. Outras personagens. Outras paragens. Outro amor. Outra dor.
Grita acção! e rói-me o coração.
Corta e muda de cena. Vale a pena.