quinta-feira, 27 de março de 2014

rói-me o coração

 imagem: Manuel Alves

Rói. Afunda os dentes no peito e come-me a carne a eito. Dói mas não há outro jeito.
Sei que há mas não quero saber. Continua e faz de conta que não é ferida para doer. Diz-me que é por mim que fazes o sacrifício de magoar o coração. Diz-me que esta dor terá fim, que esquecerei o início e que tudo o resto morrerá na recordação.
Faz-me esse buraco nos sentidos e arranca de mim todos os nossos dias perdidos. Se fui mais do que um corpo, diz-me que o coração é só tecido que, depois de rasgado, volta a ser cosido. Uma pequena mentira piedosa para a alma desgostosa.
O buraco fecha sozinho. Não te preocupes com a vida que sai. O tempo cicatriza a perda do carinho e a ferida é folha seca que cai.
Depois desapareces da memória e o meu coração inventa outra história. Outras personagens. Outras paragens. Outro amor. Outra dor.
Grita acção! e rói-me o coração.
Corta e muda de cena. Vale a pena.

8 comentários:

São Bernardes disse...

muito bom.
Uma dor forte que rói o coração, é triste...
parabéns por te exprimires assim, com palavras simples que se cruzam poeticamente ^_^
bjs

Marco Lopes disse...

Sim o "nosso" Manuel é um Poeta preso num prosador!

Manuel Alves disse...

Olá, Caminhante e Marco. :)

Vou contar-vos um pequeno segredo (em parte) triste.
Se me perguntassem qual é a minha verdadeira voz de autor, sem reservas, eu responderia que é esta. A parte triste? Estava a escrever um livro neste registo quando o disco do meu computador morreu e, com ele, matou todo o trabalho. Adeus a algumas das mais bonitas linhas de prosa que já escrevei e que, provavelmente, escreverei. É a vida. :)

Unknown disse...

Olá Manuel :)

São palavras bonitas ainda que tristes...e também eu senti o coração a ser roído depois de saber o que na alma te fez escrever estas linhas...é tão mau perder-se palavras bonitas que não se recuperam..mas elas ficam no coração...dá-lhes espaço que elas voltam :)
Ânimo, e dá migalhas ao rato para não te comer o coração :)

Luisa Bernardino disse...

Muito bonito.
És versátil Manuel. És pau para toda a colher. Tens imenso talento. Não te esqueças de nós quando fores famoso. Sim não tenho dúvidas que te tornarás um grande escritor português. Já tive oportunidade de ler alguns dos teus contos e não li mais por falta de tempo . Gosto bastante da forma como te exprimes.

Unknown disse...

Eu vi logo que para te roerem o coração,
tinha sido por algo assim ou então,
porque a manteiga no pão,
ficou virada para o chão.
(rimou! A métrica é que devia ter levado umas panadas! ;)

carpe vitam! disse...

http://provocame.blogspot.pt/2007/12/bocadinho-de-paixo-5.html

(: Já tinha saudades destes teus posts :) Já tentaste recuperar esse malfadado disco?

Manuel Alves disse...

Olá, Carla. :)
A morte de discos (já foram três à vida :D ) custou-me palavras e imagens. Por essa razão é que agora faço cópias de segurança em triplicado. :) Palavras perdidas nunca se recuperam na totalidade, mas as ideias podem regressar se as histórias tiverem muita vontade. ;)

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Olá, Luísa. :)
Entendo-me razoavelmente com as palavras. ;) A fama não é amnésia (para mim). Se eu me tornar um escritor famoso será graças aos leitores. Esquecer quem lê o que escrevo seria uma ingratidão muito canalha. Ingratidão não é um dos meus defeitos. ;)

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Olá, Goreti. :)
Já que estou numa de contar segredos, a verdade é que não escrevi este texto por causa das palavras perdidas no disco (isso já aconteceu há mais de um ano). Apenas me veio ao pensamento a frase "rói-me o coração" e apeteceu-me escrever palavras que comparassem a tristeza que nos fica quando perdemos alguém à dor de um rato a furar-nos o peito e a roer o coração. :D

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Olá, carpe. :)
O disco está guardado para futura (tentativa de) recuperação de dados. Não devemos ficar presos às perdas. A vida continua e há mais histórias para contar. ;)