Dentro de mim, há um vazio que me consome dias a fio. E
depois passa, quando me lembro que a duração da vida é escassa. Mas o vazio
regressa outro dia qualquer. Parece que não há nada que o impeça de me roubar
tudo o que quiser. Porque o vazio sou eu, a memória de tudo o que se perdeu. E
também o medo daquilo que nunca será, a negação de todos os sonhos que o futuro
não realizará.
Mas esse buraco, por mais profundo, não é garganta capaz de
engolir o mundo. O mundo é uma ideia maior, a soma de tudo possível. Um dia,
encontra-se amor e o buraco fica invisível. Pode até continuar lá, mas deixa de
ser aquela coisa má. É uma dor que se tolera em vez do sofrimento que
desespera. Porque o afecto é essa imensidão que só cabe no coração. Nenhum
buraco tem fundura suficiente para engolir tudo aquilo que a gente sente.
E nós sentimos universos infinitos, existências inteiras
imortalizadas em todos os livros escritos. Somos pessoas. Experiências más e
boas. Somos pedaços do milagre incompreensível que permanece mistério
indizível. Somos descendentes de alguma estrela perdida, que se extinguiu para
lhe herdarmos a vida. Um desperdício na escuridão do espaço, que nunca será
sacrifício vão enquanto houver um abraço.
Talvez seja isso que nos salva. O dar a mão. O ter coração.
Acreditar na alma.
Comecei a falar de mim e agora falo de nós. O buraco
tapa-se assim, preenche-se o vazio com a voz. O som de tudo o que somos e a
firmeza do que fazemos. A recordação de tudo o que fomos e a incerteza do que seremos.
Os buracos são aquilo que perdemos e também aquilo que
temos. São como nós, que começamos pequenos e depois crescemos. A nossa sorte é
sermos sempre maiores, mesmo em comparação com os buracos piores. Somos o
universo inteiro comprimido numa partícula de matéria impossivelmente densa.
Cada um de nós é mais resistente do que pensa.